Dos zero aos 42
Durante grande parte da minha vida, nunca sonhei correr uma maratona. Não cresci com o desejo de atravessar uma meta depois de 42,195 km. Cresci com asma, com bombinhas no bolso, com limitações no corpo que me faziam duvidar de cada volta ao campo da escola. Tudo era uma limitação. Tudo era uma dificuldade. Mas, um dia, alguma coisa mudou. A medicina ensinou-me que os meus limites eram reais , claro que sim, mas também me mostrou com terapêutica adequada, a superação era possível. O desporto mostrou-me o poder do movimento, da consistência, da forma como o corpo responde quando o respeitamos. E a vida ensinou-me a não deixar as vontades só para amanhã. Correr uma maratona não nasceu de um impulso: Nasceu de um processo. De recomeços. De corridas falhadas. De manhãs frias. De muitos e muitos anos a tentar. Nasceu da vontade de provar a mim mesma que o corpo pode ser casa: porque é. E que a podemos construir com os alicerces que quisermos. Nasceu do cansaço mental dos dias corridos e da necessidade de encontrar espaço para mim. Não foi sobre medalhas. Nem sobre mostrar nada a ninguém. Foi sobre dar voz à parte de mim que queria existir sem pressa, com presença. Decidi correr uma maratona para me encontrar. Para aprender a abrandar, a confiar no processo, a reajustar a jornada. Para sair do papel de médica, de atleta amadora, de “pessoa que tem tudo sob controlo” e entrar na pele de alguém que também tem medo, que também duvida, que também fica com as pernas a tremer. Quis correr para me escutar, em primeiro lugar. Com treino, com quedas, com anemia a meio do processo. Com lágrimas. Com força. Hoje, quero correr uma maratona, com a certeza de que tudo o que vivemos, se for vivido com verdade, nos transforma. A maratona será isso: um espelho da minha história,um recomeço em movimento, um grito silencioso a dizer: Estou aqui. Inteira. Imperfeita. Frágil e forte.
Francisca Pinho Rocha
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